sexta-feira, 9 de outubro de 2009

"Do Governo Eclesial: Estrutura e Organização"

A temática alusiva ao "sacerdócio" cristão, sua primitiva estrutura e critérios eletivos, tem sido causa de relevantes e recorrentes polêmicas, embora não faça jus a tão acirrada porfia. A seguir, algumas averiguações e apontamentos.

DAS CLASSES MINISTERIAIS OFICIALMENTE RECONHECIDAS:

Temos disso, uma "súmula" universalmente aceita, inclusive, nos círculos católicos romanos. Assim, segundo as narrativas neotestamentárias (canônicas) os dias apostólicos (séc. I) comportaram exclusivamente DUAS e irrefutáveis classes ministeriais, a saber:

* O Presbiterato
* O Diaconato

Compunha-se, a primeira de ANCIÃOS (Gr.: presbúteroi - πρεσβυτερος ) e a segunda de SERVIDORES (Gr.: diáconos - διάκονος), embora, cronologicamente, a instituição de ambas encontre-se inversamente situada.

Faz-se mister, porém, um breve parêntese acerca das origens do "Presbiterato" - bem como da "Diaconia" - quanto a sua aplicabilidade em períodos pré-cristãos. Ao delegar a organização da primitiva "ekklésia" cretense a Tito, Paulo nada mais faz que reintroduzir ao seio cristão uma modalidade administrativa desde longa data, comum ao contexto semita. De sorte que, com o estabelecimento das sinagogas, o habitual "za·qen", (ancião tribal ou civil) converte-se em ministro religioso, sendo assistido por um servidor (hb.: "eded")... Ainda no âmbito veterotestamentário (conforme já verificado por autores patrísticos), a mesma relação dual vem a repetir-se no chamado "Ministério Profético". Tornou-se, pois, familiar e corriqueiro a todo hebreu a expressão "O Profeta e seu moço" (servo), instaurando-se, desde então, uma sólida e recíproca co-dependência entre ambos. Já no séc.VII (E.C/d.C), as populações árabes, neo-convertidas ao Islã, reintegram o ancião (ar.: "xeque") a sua condição de direito, sendo este, auxiliado por servos (ar: "abd")...

Retornando aos alvores da Dispensação Apostólica, temos na pessoa dos ANCIÃOS cristãos, os recipiendários do primitivo legado, aos quais fora confiado (como incumbência inerente aos seus atributos) o EPISCOPADO (gr.: superintendência/supervisão). Assim, enquanto superintendentes congregacionais (gr.:επίσκοπος), exerciam a continua supervisão eclesial, o que por analogia, remete-nos aos predicados do "pastoreio". Conclui-se, pois, que as expressões ANCIÃO / EPÍSCOPO-BISPO / "PASTOR", referem-se a uma só e mesma pessoa. Quanto à expressão "PASTOR", cabe-nos uma relevante ressalva. O vocábulo assim traduzido (gr.: "poimein"), não faz referência a um "pastor" segundo a concepção atualmente aplicada (distintivo ministerial e/ou título sacerdotal). Atêm-se assim, ao seu componente denotativo ou alegórico. A propósito, as menções a Hebreus, 13:7 / 13:17, deliberada e irregularmente vertidas por "vossos pastores" (gr.: "poimein"), ilustram magistralmente o quadro. A expressão grega originalmente codificada "hegoumenois himón", designa governo e/ou vigilância, ou seja, dirige-se aos oficiais locais, aludindo às funções ou atividades pelos mesmos exercidas, e não ao distintivo ministerial corrente e aceito (Ancião/Presbítero)... Para fins meramente ilustrativos, recorramos à figura de um professor. Este, não obstante, venha a ser habitualmente classificado como "educador" (função e/ou atribuição), nem por isso foi declarado (por ocasião de sua solene formatura) como "educador"... Ao invés disso, a distinção a ele legalmente outorgada foi professor (título e/ou distintivo)... Semelhantemente, as primitivas "ekklésias cristãs", em momento algum (ao longo de todo o Período Apostólico) - elegeram ou ordenaram "PASTORES", antes, ANCIÃOS, aos quais, os afazeres correlatos ao "apascentar" foram conferidos ("Exortação aos Presbíteros Efésios”- Atos, 20:28 )... Faz-se mister, portanto, uma nítida distinção entre dois estados ou condições diametralmente opostos, a saber, FUNÇÃO ATRIBUTIVA e TITULAÇÃO DISTINTIVA. Quanto às "atribuições" elencadas em Efésios 4, 11 e, equivocadamente aplicadas como argumento refutativo - por não poucas vertentes cristãs - referem-se, ora a pessoa do Presbítero-Epíscopo, ora às diversas modalidades de "karismas" então "em voga". Não se pode, portanto, afirmar - sob pena de "lesa-hermenêutica" - que a primitiva "Ekklésia" Apostólica tenha, sob quaisquer circunstâncias, designado "apóstolos", "profetas", "evangelistas", ”pastores” e "doutores" ("mestres") como classe ministerial distinta e, formalmente ordenada ... Diga-se o mesmo, de uma suposta "Classe de COOPERADORES " (Ou "Colaboradores") ... Por essa razão, a Congregação Cristã não ousa incorrer no crasso equívoco de ORDENAR (em caráter "sacramental") aos seus "cooperadores", mas tão-somente apresentá-los como tal. Visto que, se assim o fizesse, forçosamente teríamos que admitir a figura de PRISCILA como membro integrante no rol dos primitivos "cooperadores" cristãos (Romanos, 16:3)... Mas essa, é uma temática à parte...

Pedro, "O Presbítero" (I Ped. V, I-IV)

e sua suposta crucificação sob o governo de Nero



Quanto à segunda Classe (Diáconos - Servidores), nada há a se esmiuçar visto tratar-se de algo patente a todo e qualquer "doméstico" à Fé Cristã, quer no âmbito protestante ou católico romano. Não raro, contudo, tende-se a polemitizar no tocante ao suposto "Diaconato Feminino"... Tal posicionamento lança mão da personagem neotestamentária Febe (Rom. 16:1), à qual se refere o “koiné” (grego-arcaico) utilizando-se de vocábulo similar àquele aplicado aos Diáconos (gr: διάκονος). Mediante tal fato, não poucos apologetas e hermeneutas patrísticos, avalizaram tal conjectura. Dentre eles, temos:

* Justino Mártir, Roma,110-165 d.C.
* Orígenes, Egito/Palestina, 185-254 d.C.
* Ambrosiastro, Roma, séc. IV.
* João de Antioquia, Constantinopla, 347-408 d.C.
* Theodoreto de Ciro, Ásia Menor, 423 d.C

Não nos esqueçamos, entretanto, que Cencréia/Cêncris, consistia basicamente em um porto, cuja situação distava em torno de 12 kilômetros de Corinto... Possivelmente, tratava-se de uma extensão ou "apêndice" da primitiva "Ekklésia" coríntia, cujas peculiares necessidades conduziram o Apóstolo a uma medida um tanto heterodoxa, todavia, emergencial...


Estevão, "O Proto-diácono", e seu martírio.

Ora, considerando-se a ortodoxia predominantemente verificável entre as diversas vertentes cristãs (rejeição ao diaconato feminino), e a substancialidade dos argumentos contrapostos, pareceu adequado à Congregação Cristã contemporânea, estabelecer uma seleta "classe" de mulheres (preferencialmente idosas e/ou viúvas -"inscritas"), para o exercício das atividades caritativas e/ou beneficentes (tradicionalmente associadas ao Diaconato, em sua finalidade primeira – “Servir as mesas”). Tal é o procedimento em vigor, não agraciando-as, contudo, com o “grau” ou titulo de “diaconisas”. Estas coadjutoras diaconais (“Irmãs da Piedade”) atuam em estreita cooperação com o Corpo de Diáconos, estando-lhes, outrossim, sujeitas no tocante as deliberações e demais projetos inerentes às Obras Pias.

DOS CRITÉRIOS ELETIVOS:

Apresentam-se como critérios tradicionalmente acatados em sua canonicidade, àqueles enumerados nas Epístolas Paulinas endereçadas a Timóteo e Tito. Contudo, não se deve erroneamente pressupor que Paulo (entre suas sentenças seletivas), pré-estabeleça (em caráter doutrinário - "conditio sine qua non") que o ministro cristão venha a contrair matrimônio prévio, para o regular exercício de suas funções. Neste particular, refere-se a matrimônio em caráter NUMÉRICO - opondo-se a poligamia própria do contexto sócio-cultural judaico e mesmo às lascivas práticas então comuns no "ethos" greco-romano. Mas, por outro lado, enaltece o matrimônio e a família como um pré-estágio para uma bem sucedida administração eclesial (I Tim. 3:5)...


Ainda assim, e para uma mais detalhada apreciação, dissequemos o fragmento, elencando-o sob duas abordagens:

Aspectos Negativos:

Não avarento [ aphilarguros ] - Que não ama a prata.
Não bígamo ou polígamo [ mias gunaikos andres ] - Que seja homem de uma só mulher, com moral inquestionável e imune a suspeitas.
Não cobiçoso [ aischrokerdes ] - Que não deseja lucro vergonhoso, mas prefere ter prejuízo.
Não contencioso [ amachos ] - Que é avesso a contendas, pacífico.
Não dado ao vinho [ paroinos ] - Que não se demora ao lado, na presença ou ambiente do vinho.
Não espancador [ plektes ] - Que não seja colérico, afeito a truculências.
Não iracundo [ orgilos ] - Que não seja "inclinado" à ira, ou de temperamento implosivo.
Não neófito [ aneophutos ] - Que não seja uma "folha nova", produto de algo recentemente plantado ; inexperiente.
Não soberbo [ authades ] - Que não seja orgulhoso, arrogante, presunçoso, impondo o próprio desejo.
Aspectos Positivos:

Amigo do bem [ philagathos ] - Que ama o que é bom e benéfico (lit.).
Apto para ensinar [ didaktikos ] - Capacitado à transmitissão do ensino.
Honesto [ kalos ] - Decente, decoroso, de bom comportamento.
Hospitaleiro [ philochenos ] - Que ama o estranho, o estrangeiro.
Justo [ dikaios ] - Correto, reto.
Moderado [ epieikes ] - Cordato, gentil, tolerante.
Santo [ hosios ] - Dedicado a Deus.
Sóbrio [ sophron ] - Que tem auto-controle, que seja moderado.
Temperante [ enkrates ] - Com aptidão para frear seus desejos.
Vigilante [ nephalios ] - Homem de mente clara e ordenada/concisa.
Resta-nos assim, ponderar, e se necessário reaver determinados conceitos ou conclusões pré-concebidas, à luz de uma averiguação etimológica contextualmente consistente e precisa.

DA PROEMINÊNCIA ORGANIZACIONAL: MODELO PRESBITERAL OU EPISCOPAL?

Outra questão correlata ao eixo temático - e responsável por diversas e convenientes lacunas - diz respeito a modalidade organizacional-administrativa vigente no dias primitivos. O governo eclesial caracterizava-se como sendo de ordem PRESBITERAL ou EPISCOPAL? Bem, segundo depreende-se dos textos neotestamentários (canônicos), a proeminência do Presbítero é legítima e intransferível, sendo sua condição inconteste, enquanto depositário da autoridade e legados apostólicos. Destaque-se, porém, que cada "ekklésia" ou cidade era assistida por um "Presbitério" ou Conselho de Anciãos (Atos 14:23 / Atos 20:17...) . Devido a tal constatação, afirmam alguns, que a Congregação Cristã hodierna apresenta uma estrutura organizacional parcialmente diversa daquela: conjectura-se, que nenhum presbítero viesse a dispor de irrestrita primazia sobre a "ekklésia" local, visto que suas prerrogativas ministeriais eram (em similares proporções) aplicáveis aos demais co-presbíteros ou co-anciãos. Conforme já exaustivamente exposto, exerciam, simultaneamente o "episcopado" (superintendência), visto ser esta, uma atividade inerente (ou extensiva) à sua função. Seria, portanto, o EPISCOPADO (enquanto Classe ministerial autônoma e distinta do Presbiterado) uma inovação ou acréscimo pós-apostólico, cujo oficial reconhecimento veio a prevalecer apenas em meados de 150 d.C.? Talvez, não... Basta, nos atermos a duas ou três clássicas citações para que se possa (com pequena margem de erro) pressupor a existência do modelo administrativo "episcopal" ainda em estado extra-oficial ou latente. Vejamos:


"Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina..."(I Tim. 5:17)


Ora, Paulo aí estabelece uma nítida distinção entre presbíteros e presbíteros... Determinados presbíteros (anciãos) deveriam ser duplamente dignificados em seus préstimos e particulares méritos para com a "Ekklésia".

"E ao anjo da igreja que está em ... "
(Apocalipse/Revelação)

Se, acatada como alusiva aos ministros responsáveis pelas "ekklésias" mencionadas, a expressão "anjo da igreja" faz inconteste referência aos primitivos Anciãos, contudo, de maneira restrita a um dentre àqueles que compunham o Presbitério local. Deduz-se, portanto, que as primitivas comunidades apostólicas já atribuíam uma singular notoriedade a um dentre os seus Anciãos "tutelares".

"... ou o que exorta, use esse dom em exortar; o que reparte, faça-o com liberalidade; o que PRESIDE, com cuidado; o que exercita misericórdia, com alegria." (Romanos, 12:8)

No fragmento anteriormente citado, podemos identificar sem quaisquer complicadores hermenêuticos a figura do Ancião "presidente", ou seja, àquele ao qual coube a primazia dentre os demais membros do Presbitério local ("Primus inter pares"). Aliás, a expressão grega aplicada ao contexto evoca a imagem de um "líder" ou, "àquele que se encontra a dianteira de"... Tais observações, entretanto, não devem (sob quaisquer alegações) ser utilizadas como um subterfúgio para o estabelecimento do Modelo Administrativo DIOCESANO (em detrimento da "ekklésia" LOCAL).

Atendo-nos aos Escritos Deuterocanônicos Neotestamentários (Apócrifos), podemos citar Tertuliano (160-230 d.C.), um dos mais célebres apologetas patrísticos. Em sua Obra “Da Vida Comunitária dos Cristãos”, refere-se aos membros do Corpo Eclesial nos seguintes termos:

“Os que PRESIDEM são Anciãos (Presbíteros) experimentados. Eles obtiveram esta honra não a peso do seu dinheiro, mas pelo testemunho da sua virtude”.

Vale lembrar, que mesmo o “Presbiterianismo Clássico”, tende a categorizar seus presbíteros, estratificando em DOCENTES ("Presbíteros-Pastores") e REGENTES (“Presbíteros-Coadjuvantes”).

Por seu turno, a “Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados” - uma das mais tenazes defensoras da proeminência do modelo administrativo presbiteral - costuma atribuir a superintendência (episcopado) aos seus mais experimentados e sobressalentes Anciãos.

Desta feita, ao nos remetermos ao governo eclesiástico e suas modalidades, pode-se seguramente afirmar que um posicionamento inflexivelmente ortodoxo (PRESBITERATO X EPISCOPADO), nos possa conduzir a uma postura beligerante e contextualmente equívoca.


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